*Por João Antonio de Albuquerque e Souza, presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD)
A aplicação de transfer ban tem se mostrado uma das poucas medidas efetivas para garantir o cumprimento de obrigações financeiras entre clubes de futebol. A punição impede novas contratações enquanto dívidas com outros clubes ou atletas não são quitadas, buscando assegurar que compromissos assumidos sejam respeitados.
No Brasil, episódios recentes como a punição imposta ao Corinthians pelo não pagamento ao clube mexicano Santos Laguna pela contratação do jogador Félix Torres evidenciam a relevância do instrumento para coibir inadimplência.
Apesar da dificuldade nas tratativas com o Santos Laguna, o Corinthians ainda tinha esperanças de derrubar o transfer ban até o dia 2 de agosto, quando fechava a janela de transferências do Brasil, mas não obteve êxito. Em paralelo, o clube mantinha negociações por reforços e já tinha nomes engatilhados caso se livrasse da proibição para registrar novos atletas. Uma das contratações apalavradas, segundo setoristas do clube, era a de Agustin Anello, atacante que joga no Boston River, do Uruguai.
Além disso, o contexto nacional revela dificuldades históricas na cobrança judicial de dívidas esportivas. Muitos clubes operam com múltiplos CNPJs, fragmentando responsabilidades e dificultando a execução de créditos pelos credores. Essa lacuna aumenta a importância de mecanismos administrativos, como o transfer ban, que oferecem efeito imediato e previsível, ao contrário das esferas judiciais, cuja lentidão compromete a efetividade das cobranças.
A adoção do fair play financeiro na Europa, implementado pela UEFA, evidencia que há alternativas estruturadas para manter a saúde econômica dos clubes, mas no Brasil essas práticas ainda estão em fase inicial. Enquanto isso, punições diretas sobre o direito de contratar surgem como solução prática e eficaz, criando pressão para que clubes honrem compromissos com contratações e salários.
Dados da Fifa apontam que atualmente 982 clubes em todo o mundo estão sob transfer ban. A Turquia lidera o ranking, com 180 clubes na lista negativa, mostrando que a medida é amplamente utilizada internacionalmente como mecanismo disciplinador. A adoção global reforça a necessidade de regras claras e de instrumentos de coerção que impactem diretamente a operação dos clubes, aumentando a disciplina financeira no futebol.
No caso do Brasil, o debate sobre responsabilidade financeira se intensifica em clubes de grande porte, como o episódio ocorrido alguns meses atrás, quando o Flamengo publicou uma nota oficial criticando o Internacional por estar contratando jogadores com alto investimento e, ao mesmo tempo, dever ao clube carioca parcelas pela contratação do jogador Thiago Maia. A prática de contratar sem capacidade financeira real (ou escolher contratar novos atletas ao invés de quitar as dívidas antes) coloca em risco a sustentabilidade do mercado, gerando impunidade e desestimulando o cumprimento de obrigações.
Nesse cenário, o transfer ban se mostra como medida apta a dar efetividade. Clubes que regularizam suas dívidas têm a possibilidade de suspender a penalidade, reforçando um modelo de incentivo que premia práticas financeiras responsáveis. Dessa forma, a medida não atua apenas como punição abstrata, mas como um mecanismo corretivo e preventivo, estimulando o planejamento sustentável e a disciplina econômica no futebol.
Além do aspecto financeiro, a disciplina traz benefícios indiretos ao futebol e fortalece a credibilidade do mercado esportivo brasileiro, evitando prejuízos a atletas e demais instituições envolvidas. Portanto, o transfer ban se consolida como ferramenta prática e necessária diante de um cenário em que a justiça tradicional não garante rapidez ou eficácia na cobrança de dívidas. Para o futebol nacional, sua aplicação consistente representa um passo importante na busca por integridade financeira e credibilidade, alinhando práticas locais às normas globais do esporte.
*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil.