Por João Antonio de Albuquerque e Souza, advogado e ex-presidente do TJD-AD (Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem)*
O futebol brasileiro vive um momento de alerta, em que o julgamento do atacante Bruno Henrique, do Flamengo, evidencia fragilidades na legislação desportiva diante do crescimento das casas de apostas e da manipulação de resultados. Embora o STJD tenha absolvido o jogador da suspensão de jogos, mantendo apenas uma multa de R$ 100 mil, o caso reacende discussões sobre a capacidade das normas e tribunais atuais de proteger a integridade do esporte.
Essa nova dinâmica de mercado, impulsionada pelas apostas esportivas, exerce pressão direta sobre partidas e atletas. No jogo entre Flamengo e Santos pelo Brasileirão de 2023, um cartão amarelo recebido por Bruno Henrique levantou suspeitas de manipulação de resultados para beneficiar apostadores. Mensagens obtidas no celular do irmão do jogador indicaram que houve, de fato, uma articulação com esse objetivo, evidenciando como a prática pode ocorrer mesmo em clubes de grande porte.
Ao acolher parcialmente a denúncia do artigo 243-A do CBJD, a decisão do STJD gerou intenso debate sobre a percepção de impunidade no futebol. Enquanto alguns atletas enfrentam punições mais rigorosas, como Alef Manga, emprestado pelo Coritiba ao Pafos em 2023, foi suspenso por 360 dias pelo STJD, e Ygor Catatau, atualmente no Volta Redonda, foi punido com dois anos e dois meses do futebol profissional, outros jogadores recebem sanções brandas, levantando questionamentos sobre equidade e credibilidade do sistema disciplinar.
Outro efeito colateral desse cenário é a insegurança jurídica que ronda o esporte nacional. Segundo relatório anual de integridade divulgado pela empresa de tecnologia esportiva Sportradar, o estudo detectou 721 partidas de futebol suspeitas no mundo e o Brasil teve 57 confrontos detectados pelo sistema. No caso do Brasil, os jogos ocorrem principalmente em divisões inferiores de competições regionais e estaduais. Apenas quatro partidas suspeitas de 2024 foram disputadas em competições organizadas pela CBF, o que representa apenas 0,18% do total.
Além disso, a legislação atual, concentrada no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e na estrutura do STJD, não oferece mecanismos robustos para enfrentar esse fenômeno emergente, e tratar a manipulação de resultados como um problema isolado, e não estrutural, compromete a integridade do futebol. A ausência de tribunais especializados e de protocolos padronizados dificulta investigações, permite divergências de interpretação e expõe o esporte a pressões externas, como apostas ilegais e esquemas de fraude organizados.
Um olhar mais planejado e estruturado poderia transformar a forma de lidar com esse problema. A criação de tribunais especializados, inspirados na agência mundial antidoping (WADA), e a adoção de códigos universais de conduta e sanção esportiva, permitiriam julgamento uniforme, segurança jurídica e respostas mais rápidas a casos de manipulação. Vale ressaltar que a manipulação de resultados não afeta apenas resultados em campo, mas a confiança de torcedores, investidores e patrocinadores.
Regras claras e aplicáveis globalmente fortalecem a integridade do esporte, aumentam a transparência e reduzem oportunidades de fraude, criando um ambiente mais seguro para atletas e clubes. No fim, o caso Bruno Henrique mostra que o futebol brasileiro precisa avançar para além das punições pontuais. Ao combinar reformas legislativas, tribunais especializados e códigos universais, é possível proteger a essência do esporte, garantir justiça equitativa e enfrentar de forma efetiva os desafios impostos pelas apostas esportivas e pelo crime organizado.
*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. É ex-Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil.

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